A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

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Desde os tempos mais remotos, a política tem se erguido como o campo privilegiado da disputa pelo comando das consciências, mais do que pela mera condução dos corpos. O enunciado — "A política se tornou a arte de impedir que as massas se apercebam da opressão que sofrem" — sintetiza com precisão a mutação sofisticada do poder: de brutal e ostensivo, como nas tiranias clássicas, para dissimulado e consensual, como nas democracias de fachada e nos regimes tecnocráticos contemporâneos. O poder, que outrora se exercia com a espada e o açoite, hoje se perpetua através da manipulação simbólica, da produção de narrativas e do controle sutil dos desejos e percepções. O século XX foi o grande laboratório dessa transformação. A escola de Frankfurt, sobretudo com Herbert Marcuse e a sua "sociedade unidimensional", já denunciava o surgimento de uma ordem política onde a opressão não mais se sustentava na coerção explícita, mas na fabricação de uma cultura que anestesia e neutra...

A arte de justificar o injustificável: os 21 passos do discurso defensivo segundo Stephen Walt


Stephen M. Walt, renomado professor de Relações Internacionais, publicou em 2010 o artigo "Defending the Indefensible: A How-To Guide" ("Defendendo o Indefensável: Um Guia Prático"), no qual ele descreve ironicamente as estratégias retóricas usadas por políticos, autoridades e simpatizantes para justificar políticas governamentais que são claramente erradas ou contraprodutivas. O artigo propõe um modelo de 21 passos, demonstrando como um discurso apologético pode ser construído ao longo do tempo.

Walt argumenta que, quando governos tomam decisões ruins – sejam guerras desastrosas, políticas públicas falhas ou medidas antidemocráticas –, surge a necessidade de defendê-las para manter a legitimidade política e evitar admitir erros. Assim, surge uma narrativa de defesa que se desenrola em uma série de estágios previsíveis, começando pela negação e evoluindo até uma aceitação relutante, enquanto se minimiza o impacto dos erros.

Os 21 Passos para Defender o Indefensável

  1. Negação completa: afirmar que o problema não existe e que as críticas são infundadas ou exageradas.
  2. Minimização do problema: aceitar que há uma questão, mas insistir que ela é insignificante ou não merece tanta atenção.
  3. Rejeição das fontes críticas: alegar que os críticos são parciais, tendenciosos ou têm segundas intenções.
  4. Distorção de fatos: manipular informações ou apresentar dados seletivos para reforçar a narrativa favorável.
  5. Criar uma falsa equivalência: apontar para erros de outros governos ou grupos, sugerindo que o problema é comum e, portanto, não grave.
  6. Invocar a boa intenção: dizer que, mesmo que a política tenha dado errado, a intenção era nobre e legítima.
  7. Dizer que não havia alternativa melhor: argumentar que todas as opções eram ruins e que a decisão foi a menos pior.
  8. Transferir a culpa para outros: jogar a responsabilidade para terceiros – adversários políticos, burocracia, ou até aliados.
  9. Criar uma nova ameaça externa: desviar a atenção para um problema maior ou uma nova crise emergente.
  10. Dizer que tudo está melhorando: garantir que a política já está produzindo melhorias e que as críticas são precipitadas.
  11. Manipular números: apresentar estatísticas fora de contexto para provar que as críticas são exageradas.
  12. Citar um especialista conveniente: encontrar um acadêmico ou analista que corrobore a narrativa do governo.
  13. Lembrar do passado para criar perspectiva: argumentar que, no passado, as coisas eram muito piores e que houve progresso.
  14. Dizer que os críticos não entendem o assunto: reforçar que apenas quem está no poder tem todas as informações para julgar corretamente.
  15. Dizer que o tempo dirá quem está certo: argumentar que, com o tempo, ficará claro que a decisão foi a melhor possível.
  16. Acusar os críticos de serem ingênuos: sugerir que as críticas são idealistas e ignoram as complexidades do mundo real.
  17. Criar um bode expiatório: apontar para um ator específico (exemplo: imprensa, um partido opositor, uma agência estrangeira) como o verdadeiro culpado pelos problemas.
  18. Apoiar-se no nacionalismo: dizer que criticar a decisão equivale a enfraquecer o país e fazer o jogo dos inimigos.
  19. Dizer que a história justificará a decisão: afirmar que, no longo prazo, a política será vista como correta.
  20. Aceitar o erro, mas sem consequências: admitir que houve falhas, mas sem responsabilizar ninguém ou mudar políticas.
  21. Reescrever a história: criar uma nova narrativa sobre os acontecimentos, transformando o erro inicial em uma suposta vitória.

O artigo de Walt é uma crítica afiada ao comportamento de governos, partidos políticos e lideranças ao redor do mundo. Ele aponta que, em democracias e regimes autoritários, o mecanismo de justificativa de erros se repete com impressionante consistência.

Este modelo pode ser aplicado para analisar discursos sobre:

  • Guerras desastrosas (como o Iraque ou Afeganistão);
  • Políticas econômicas fracassadas;
  • Corrupção e escândalos políticos;
  • Violações de direitos humanos e medidas autoritárias.

A ironia do artigo é que, ao listar essas etapas, Walt não apenas expõe os mecanismos de defesa usados por governos, mas também sugere que qualquer pessoa pode prever a evolução da narrativa de um governo em crise.

O artigo "Defending the Indefensible" de Stephen Walt é um guia satírico, mas profundamente verdadeiro, sobre como discursos políticos tentam justificar políticas fracassadas. Ele ensina a reconhecer e desmontar falácias argumentativas usadas por governos e elites políticas ao longo do tempo.

Isso mostra como o debate público pode ser manipulado, e reforça a importância de um eleitorado crítico e bem informado para evitar cair nessas armadilhas retóricas.

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