A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

Em 2023, o grupo Globo reassumiu a liderança na distribuição de verbas de publicidade do governo federal sob a gestão de Lula (PT). Nos primeiros seis meses do terceiro mandato do petista, os veículos de mídia da Globo receberam pelo menos R$ 54,4 milhões em propagandas da Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência da República e de ministérios. Em contraste, a Record foi o destino de R$ 13 milhões, enquanto o SBT recebeu R$ 12 milhões.
Os dados foram extraídos do portal de planejamento de mídia do governo federal, que mostra valores pagos em ações de publicidade já realizadas pela Secom e outros órgãos do governo federal. No entanto, o site não apresenta pagamentos feitos em propagandas de bancos públicos e das estatais, como a Petrobras.
Durante a gestão Bolsonaro (2019-2022), a Globo e seus principais concorrentes receberam valores similares, com uma ligeira vantagem para a Record, TV ligada à Igreja Universal do Reino de Deus. No entanto, a situação mudou com a chegada de Lula ao poder.
A Record ainda perdeu espaço na publicidade em canais digitais sob Lula. O portal R7, que ganhou ao menos R$ 8,4 milhões da gestão passada, não tem pagamentos registrados até agora, enquanto o site Globo.com recebeu pelo menos R$ 394,5 mil.
A Secom, questionada sobre a divisão dos recursos de publicidade, afirmou que "os grupos mencionados" têm números diferentes de veículos e que o portal de despesas está "em constante atualização". A secretaria não respondeu qual critério utiliza para direcionar os recursos de TV.
A Globo tem sido, ao longo das décadas, a emissora de TV brasileira de maior audiência. Na última quinta-feira (20), por exemplo, ela marcou 13,8 pontos, em média, na Grande São Paulo, de acordo com informações do site Notícias da TV, do UOL. A Record alcançou 5,7 pontos, o SBT 3,0 pontos e a Band, 2,1 pontos. Cada ponto equivale a 70.953 domicílios na Grande São Paulo.
Praticamente toda a verba direcionada ao grupo Globo teve como destino as emissoras de TVs do grupo. Os dados da Secom e de ministérios ainda mostram mudança de critérios de publicidade em jornais. Esses órgãos voltaram a anunciar na Folha (R$ 352,9 mil), O Globo (R$ 398,9 mil) e O Estado de S. Paulo (R$ 206,8 mil), três veículos que não haviam sido incluídos em planos de mídia federais de 2020 a 2022.
Os órgãos federais também voltaram a comprar espaços publicitários de canais alinhados à gestão petista. O site Brasil 247 recebeu R$ 59,9 mil. O Diário do Centro do Mundo foi o destino de R$ 46,2 mil em anúncios, enquanto o site O Cafezinho ganhou ao menos R$ 4.900.
A Meta, empresa que controla Facebook, Instagram e WhatsApp, foi o quinto grupo que mais recebeu verbas publicitárias nas gestões Bolsonaro e Lula. O ranking de maiores beneficiados ainda inclui empresas que divulgam as peças publicitárias em metrôs, aeroportos e outdoors digitais, como a Eletromidia e a JCDecaux.
Sob Lula, o TikTok e a Kwai também surgem entre os dez principais destinos de anúncios publicitários federais. No entanto, a divulgação sobre as despesas com mídia do governo federal é precária. Como faltam dados sobre os valores pagos por estatais e bancos públicos, não há um balanço conclusivo sobre a distribuição de anúncios.
Os dados do governo mostram que as campanhas publicitárias realizadas pela gestão Bolsonaro totalizaram R$ 2,1 bilhões em anúncios durante quatro anos. Esse recorte considera principalmente ações do Ministério da Saúde e da Secom. As informações disponíveis sobre campanhas da gestão Lula somam cerca de R$ 120 milhões nesses seis meses.
Dos R$ 54,4 milhões direcionados ao grupo Globo em publicidade federal, cerca de R$ 9 milhões foram para anúncios veiculados durante o Jornal Nacional, o principal telejornal da emissora. A campanha de maior valor da gestão Lula, com R$ 32,7 milhões desembolsados, trata da promoção de entregas do governo nos 100 dias de gestão Lula.
A Saúde desembolsou ao menos R$ 37,1 milhões para estimular a vacinação contra a Covid-19 e gripe, em mais de uma ação publicitária. Como há assimetria na checagem da veiculação dos anúncios em cada meio (TVs, rádios, internet, jornais, outdoors etc), é possível que o domínio da Globo sobre a verba de publicidade diminua durante o ano.
No começo da gestão Bolsonaro, a Globo chegou a ficar em terceiro na lista de verbas publicitárias federais, atrás da Record e do SBT. A Folha mostrou, à época, que Bolsonaro havia alterado critérios de distribuição dos anúncios, reduzindo valores à emissora líder de audiência. O canal foi alvo de diversas críticas do ex-presidente, que chegou a ameaçar não renovar a sua concessão, mas recuou e assinou a renovação dias antes de deixar o governo.
Em 2020, o TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu que faltavam critérios técnicos na distribuição das verbas a TVs abertas. Nos anos seguintes, a Globo voltou a liderar o ranking da publicidade federal, ainda que próxima da Record.
Em nota, a Secom disse que "confirmações entre grupos/veículos não ocorrerem de forma simultânea e articulada, os grupos mencionados possuem diferentes volumes de veículos em sua composição, dando uma visão distorcida sobre o investimento público em comunicação".
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