A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

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Desde os tempos mais remotos, a política tem se erguido como o campo privilegiado da disputa pelo comando das consciências, mais do que pela mera condução dos corpos. O enunciado — "A política se tornou a arte de impedir que as massas se apercebam da opressão que sofrem" — sintetiza com precisão a mutação sofisticada do poder: de brutal e ostensivo, como nas tiranias clássicas, para dissimulado e consensual, como nas democracias de fachada e nos regimes tecnocráticos contemporâneos. O poder, que outrora se exercia com a espada e o açoite, hoje se perpetua através da manipulação simbólica, da produção de narrativas e do controle sutil dos desejos e percepções. O século XX foi o grande laboratório dessa transformação. A escola de Frankfurt, sobretudo com Herbert Marcuse e a sua "sociedade unidimensional", já denunciava o surgimento de uma ordem política onde a opressão não mais se sustentava na coerção explícita, mas na fabricação de uma cultura que anestesia e neutra...

Entre a justiça e o excesso: O preço da defesa da democracia com o caso Geraldo Filipe da Silva


Em uma democracia robusta, a justiça ocupa um pedestal de suma importância, servindo como guardiã dos princípios e direitos fundamentais que sustentam o tecido social. No entanto, o caso de Geraldo Filipe da Silva, um morador de rua que ficou quase um ano detido por alegada participação nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de Janeiro, escancara uma realidade inquietante: em nome da defesa da democracia, injustiças podem ser perpetradas.

Geraldo, um serralheiro que vivia nas ruas de Brasília, foi preso sob acusações graves, incluindo associação criminosa armada e tentativa de golpe de Estado, sem que houvesse cometido tais atos. Após longos meses de encarceramento, sua inocência começa a ser reconhecida, levantando questionamentos profundos sobre os mecanismos de justiça e a salvaguarda dos direitos individuais.

A história de Geraldo não é um mero relato de um erro judiciário. Ela reflete um dilema maior que enfrentamos na preservação de nossas democracias: até que ponto ações e medidas, tomadas sob a bandeira da defesa do Estado Democrático, justificam a supressão dos direitos e liberdades individuais? A resposta a esta pergunta não é simples, mas o caso de Geraldo nos força a confrontar a realidade de que, na ânsia de combater ameaças à democracia, o Estado pode, inadvertidamente, cometer injustiças.

A prisão prolongada de Geraldo, baseada em acusações que, conforme aponta a análise do ministro Alexandre de Moraes, careciam de provas substanciais, ressalta a importância de um sistema judiciário que balanceie eficazmente a necessidade de segurança e a preservação das liberdades fundamentais. Este equilíbrio é vital para que não se perca a essência daquilo que se busca proteger: a justiça e a liberdade que são pilares de qualquer democracia saudável.

O prazo de quase um ano para a soltura de um inocente sublinha outra faceta preocupante deste debate: o tempo. Para o indivíduo injustamente acusado, cada dia de prisão é uma eternidade que agrava a injustiça sofrida. Este aspecto temporal da justiça não pode ser negligenciado, pois reflete diretamente na eficácia e na percepção da justiça como um todo. A demora na correção de erros judiciais não apenas compromete a vida dos afetados, mas também mina a confiança no sistema judiciário e, por extensão, nas instituições democráticas.

O voto pela absolvição de Geraldo Filipe da Silva é um passo na direção certa, mas é também um lembrete de que há muito a ser feito no aprimoramento de nossos sistemas judiciais. A defesa da democracia é, sem dúvida, um imperativo categórico, mas essa defesa deve ser pautada pelos princípios de justiça, equidade e respeito aos direitos fundamentais.

O caso de Geraldo nos instiga a refletir sobre como podemos assegurar que a proteção da nossa democracia não se transforme em um instrumento de injustiça. Questiona-nos sobre quantos outros "Geraldos" podem estar sofrendo devido a erros judiciais ou a uma interpretação excessivamente zelosa da lei. Responder a essas perguntas é crucial para o fortalecimento das nossas instituições democráticas e para a preservação da justiça como valor supremo em nossa sociedade.

A história de Geraldo Filipe da Silva é um chamado à reflexão sobre os desafios que enfrentamos na manutenção de uma justiça verdadeiramente justa em tempos turbulentos. Ela nos lembra da necessidade imperativa de vigilância, não apenas contra as ameaças externas à democracia, mas também contra aquelas que podem surgir no seu próprio seio, sob a égide da sua defesa. Para que, em nome da justiça, não pratiquemos injustiças.

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