A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

As redes sociais oferecem uma velocidade e uma amplitude de alcance sem precedentes. Um tweet de um candidato à presidência pode, em questão de minutos, ser compartilhado milhões de vezes e influenciar discussões públicas em escala global. Diferente dos meios tradicionais de comunicação, onde a narrativa é cuidadosamente filtrada, as redes sociais permitem que qualquer indivíduo — de eleitores a políticos — compartilhe suas opiniões e alcance uma audiência massiva. Esse ambiente direto e dinâmico cria uma conexão muito mais pessoal entre o político e o público, estabelecendo uma relação de proximidade que reforça a influência e a lealdade dos seguidores.
As redes sociais também proporcionam um campo fértil para campanhas eleitorais, oferecendo aos candidatos a possibilidade de interagir com seus eleitores em tempo real e de moldar suas campanhas com base em dados detalhados de engajamento. Esse contato direto evita a necessidade de intermediação pela imprensa tradicional, permitindo que candidatos compartilhem suas mensagens sem filtros. Barack Obama foi pioneiro nesse uso estratégico das redes sociais em sua campanha presidencial de 2008, mobilizando milhões de eleitores jovens por meio de vídeos e atualizações online. Desde então, as redes sociais se consolidaram como uma ferramenta essencial para a política contemporânea, com outros candidatos e partidos adotando a mesma abordagem e buscando formas cada vez mais sofisticadas de se conectar com o eleitorado.
No entanto, o poder das redes sociais na política contemporânea não está limitado a campanhas eleitorais. As plataformas digitais têm a capacidade de moldar a opinião pública de forma sutil e muitas vezes imperceptível, influenciando o comportamento e as percepções dos eleitores. Algoritmos complexos, que determinam o conteúdo exibido para cada usuário, são projetados para maximizar o tempo de uso e o engajamento, o que faz com que cada pessoa viva em uma “bolha” digital personalizada. Esse fenômeno, conhecido como “bolha de filtro”, é amplamente explorado na política para consolidar e radicalizar opiniões. Usuários que já têm uma inclinação política, por exemplo, tendem a ser expostos a conteúdos que confirmam suas crenças, fortalecendo ainda mais suas convicções e afastando-os de perspectivas contrárias. Essa dinâmica polariza a sociedade, transformando as redes sociais em verdadeiras câmaras de eco, onde as pessoas se isolam em visões de mundo restritas, tornando o diálogo e a empatia cada vez mais escassos.
A manipulação da opinião pública nas redes sociais também envolve a disseminação de notícias falsas e desinformação, um problema que se tornou particularmente visível nas eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos. Grupos internos e externos utilizaram fake news para manipular as percepções dos eleitores, criando narrativas falsas sobre candidatos e semeando desconfiança em relação ao processo eleitoral. Essa estratégia tem sido repetida ao redor do mundo, com governos e grupos privados contratando empresas especializadas em “guerra de informação” para promover narrativas que lhes sejam favoráveis. Com o apoio de bots e perfis falsos, essas campanhas podem amplificar conteúdos específicos e criar a ilusão de que há um amplo apoio popular para certas ideias ou candidatos, distorcendo a percepção pública.
Além disso, a coleta de dados pessoais nas redes sociais permite uma segmentação detalhada e direcionada de anúncios e conteúdos políticos. O escândalo envolvendo a Cambridge Analytica em 2018 revelou como empresas e campanhas políticas têm utilizado informações pessoais coletadas das redes sociais para criar perfis psicológicos de eleitores e direcionar campanhas com precisão cirúrgica. Esse tipo de manipulação direcionada, conhecida como microtargeting, permite que campanhas adaptem mensagens específicas para grupos muito segmentados, explorando as inseguranças e os interesses dos eleitores com alta precisão. Esse fenômeno levanta preocupações éticas e questionamentos sobre a transparência e a privacidade na política contemporânea, pois os eleitores são, muitas vezes, manipulados sem terem plena consciência disso.
As redes sociais também criaram um novo tipo de influenciador político. Figuras públicas, ativistas e até mesmo celebridades conseguem usar suas redes de seguidores para promover agendas políticas e exercer pressão sobre políticos e governantes. Esse tipo de influência, embora menos institucional, é capaz de mobilizar milhões de pessoas em questões específicas. Movimentos como #MeToo e Black Lives Matter demonstraram o potencial das redes sociais para gerar pressão pública e provocar mudanças reais. Na mesma linha, líderes populistas, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, utilizam suas redes sociais para moldar a narrativa pública, contornando a mídia tradicional e se comunicando diretamente com seus seguidores, reforçando seu poder e promovendo suas agendas de maneira ininterrupta.
Apesar de seu potencial democratizador, o impacto das redes sociais na política também expõe desafios e perigos. A influência dos algoritmos, a disseminação de desinformação e a manipulação emocional podem distorcer os processos democráticos, criando uma ilusão de consenso ou popularidade que pode ser enganosa. Em vez de promover uma participação política informada, as redes sociais podem contribuir para um ambiente de polarização e radicalização, onde a verdade é frequentemente substituída por narrativas convenientes e onde o debate racional é substituído por ataques pessoais e manipulação emocional.
Governos ao redor do mundo estão começando a reagir a essa realidade. Muitos países já implementaram regulamentações sobre anúncios políticos nas redes sociais e exigem maior transparência na identificação de conteúdos patrocinados. A União Europeia, por exemplo, adotou a Lei de Serviços Digitais para combater a desinformação e promover maior transparência nas plataformas digitais. No entanto, regulamentar as redes sociais sem comprometer a liberdade de expressão é um desafio, e a busca pelo equilíbrio entre a transparência e o controle excessivo ainda é um tema em aberto.
As redes sociais são um instrumento poderoso que transformou profundamente o cenário político contemporâneo. Elas moldam a opinião pública, influenciam resultados eleitorais e redefinem a forma como o poder político é exercido, oferecendo aos candidatos e governantes uma conexão direta com o eleitorado e um nível de controle sobre a informação sem precedentes. No entanto, essa nova realidade exige cautela e responsabilidade, pois o poder das redes sociais é uma força que pode ser utilizada tanto para fortalecer a democracia quanto para enfraquecê-la. Com a constante evolução das tecnologias digitais, o futuro da política está intrinsecamente ligado ao uso ético e responsável dessas plataformas, e o desafio agora é assegurar que essa ferramenta sirva, de fato, ao bem comum e ao fortalecimento das sociedades democráticas.
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