A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

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Desde os tempos mais remotos, a política tem se erguido como o campo privilegiado da disputa pelo comando das consciências, mais do que pela mera condução dos corpos. O enunciado — "A política se tornou a arte de impedir que as massas se apercebam da opressão que sofrem" — sintetiza com precisão a mutação sofisticada do poder: de brutal e ostensivo, como nas tiranias clássicas, para dissimulado e consensual, como nas democracias de fachada e nos regimes tecnocráticos contemporâneos. O poder, que outrora se exercia com a espada e o açoite, hoje se perpetua através da manipulação simbólica, da produção de narrativas e do controle sutil dos desejos e percepções. O século XX foi o grande laboratório dessa transformação. A escola de Frankfurt, sobretudo com Herbert Marcuse e a sua "sociedade unidimensional", já denunciava o surgimento de uma ordem política onde a opressão não mais se sustentava na coerção explícita, mas na fabricação de uma cultura que anestesia e neutra...

Quando fazer o certo significa enfrentar a maioria: o dilema entre convicção e poder



Se tivéssemos o poder de realizar o que nos parece certo, ainda que contra a vontade da maioria, faríamos isso? A resposta a essa pergunta é mais do que uma escolha teórica; é um dilema essencial da condição humana. Entre a convicção pessoal e o respeito à coletividade, entre a virtude e a tirania, entre o altruísmo e o egoísmo, está o conflito fundamental que molda a história da humanidade.

A virtude, em sua essência, é um ideal que guia o indivíduo para além dos interesses próprios, buscando um bem maior. No entanto, o que é a virtude senão a interpretação de princípios que julgamos corretos? O filósofo grego Aristóteles dizia que a virtude está no equilíbrio, na justa medida entre excessos e carências. Mas quando temos a certeza de que algo é certo, devemos hesitar por respeito à maioria?

Grandes reformadores da história – de Sócrates a Gandhi, de Cristo a Mandela – desafiaram a opinião pública e as instituições, defendendo o que acreditavam ser correto, muitas vezes contra a maioria de sua época. No entanto, nem todo aquele que impõe sua vontade contra a maioria é um sábio ou um santo. Alguns, movidos pelo egoísmo e pela sede de poder, impuseram suas certezas de forma despótica, destruindo vidas e sociedades inteiras.

A vida é um embate constante entre o que desejamos, o que sabemos e o que conseguimos fazer. Muitas vezes, acreditamos ter a resposta correta para um problema coletivo, mas esbarramos na resistência da sociedade. É aí que surge o conflito: devemos insistir ou ceder? Devemos confiar em nossa própria razão ou respeitar a vontade da maioria?

Esse dilema não se restringe apenas aos grandes líderes e estadistas. Ele se manifesta no cotidiano: um professor que quer ensinar uma verdade incômoda, mas encontra resistência na cultura vigente; um empresário que deseja inovar, mas enfrenta a inércia do mercado; um político que vê uma solução eficaz, mas percebe que o povo rejeita por apego ao que já conhecem.

Tomemos como exemplo o progresso científico. Galileu Galilei enfrentou a fúria da Igreja ao afirmar que a Terra girava ao redor do Sol. Ele estava certo, mas sua verdade era um ultraje para a maioria. Em um cenário assim, a vontade da maioria deveria ter prevalecido?

O egoísmo pode se disfarçar de convicção. Muitas vezes, o que julgamos certo é, na verdade, um reflexo de nossas vontades e interesses pessoais. Quando alguém age com firmeza contra a maioria, deve questionar a si mesmo: estou buscando o bem comum ou apenas satisfazendo meu próprio desejo de estar certo?

Por outro lado, o altruísmo genuíno muitas vezes exige coragem para contrariar a maioria. Um pai pode impedir um filho de seguir um caminho destrutivo, ainda que o jovem o rejeite; um líder pode impor medidas impopulares para salvar um país de uma crise, mesmo sabendo que perderá apoio; um cientista pode insistir em sua pesquisa mesmo diante do descrédito geral, pois sabe que a verdade não depende de votos.

No fundo, a decisão entre seguir a própria convicção ou respeitar a vontade da maioria depende de um equilíbrio difícil: a humildade de questionar nossas próprias certezas e a coragem de agir quando a verdade nos chama à responsabilidade.

Se tivéssemos o poder de fazer acontecer o que julgamos certo, deveríamos usá-lo contra a vontade da maioria? A resposta não é simples. A história nos ensina que, às vezes, a maioria pode estar errada, e cabe aos indivíduos visionários conduzir mudanças. Mas também nos alerta que a convicção sem limites pode ser a semente do autoritarismo.

A verdadeira virtude não está apenas em ter certezas, mas em saber quando e como aplicá-las. O poder, quando guiado pelo altruísmo e temperado pela humildade, pode transformar o mundo. Mas quando movido pelo egoísmo e pela arrogância, pode destruí-lo.

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