A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

A exaltação da solidão como estado desejável se entrelaça com uma cultura digital que nos entrega entretenimento sob demanda, gratificação instantânea e uma simulação de interação social sem os desconfortos da vida real. Redes como Instagram e TikTok venderam a promessa de conexão global, mas o que entregaram foi um shopping center de almas, onde a interação se tornou transação, e a presença do outro, uma fonte de ansiedade. Nesse contexto, fóruns como o Reddit ainda representam um último reduto onde o conteúdo é, ao menos em parte, uma expressão mais orgânica dos usuários, mas nem mesmo isso escapa da lógica da gamificação, onde upvotes e downvotes regem o valor do que é dito.
O filósofo Zygmunt Bauman já alertava para essa tendência ao falar sobre a "modernidade líquida". Segundo ele, os relacionamentos humanos foram substituídos por conexões frágeis e descartáveis. Se antes os laços sociais eram estruturados na presença e na coletividade, hoje são mediados por telas e filtrados por um feed de notícias projetado para maximizar engajamento, e não significado. A ironia é que, mesmo diante de um mundo hiperconectado, a solidão nunca foi tão grande.
Essa glorificação do isolamento, muitas vezes mascarada como “introversão” ou “autossuficiência”, também encontra raízes na forma como a tecnologia moldou a sociabilidade. O medo do contato humano, da imprevisibilidade da conversa, do desconforto social, tudo isso é potencializado pelo fato de que a vida online permite que qualquer interação seja editada, deletada ou evitada. O real se tornou um fardo, e o virtual, um refúgio. Hannah Arendt já nos alertava sobre o perigo de uma sociedade que abdica da esfera pública e se recolhe ao privado. Se a política e a vida social dependem do encontro e do debate, o que acontece quando os cidadãos optam pelo isolamento confortável?
O fenômeno vai além da mera escolha pessoal; ele é reforçado por um sistema que se beneficia disso. O capitalismo de vigilância, descrito por Shoshana Zuboff, funciona melhor quando os indivíduos estão isolados, consumindo sem interrupções e sem vínculos humanos que possam desafiar suas bolhas algorítmicas. A lógica é simples: uma pessoa solitária, sem laços comunitários fortes, é uma consumidora ideal, pois busca preencher seus vazios com produtos, serviços e distrações.
Se antes a solidão era uma condição indesejada, hoje ela se tornou quase um status. Ser “introvertido” virou medalha de honra, e interagir com outras pessoas é visto, muitas vezes, como um sacrifício desnecessário. A glorificação dessa postura é, em grande parte, uma resposta ao cansaço da hiperexposição digital e da performance social constante exigida nas redes. Mas será que a solução é se fechar completamente para o mundo?
O que se perde nessa lógica é a riqueza da experiência humana. A troca de olhares, os silêncios constrangedores, as discussões acaloradas e os momentos de vulnerabilidade compartilhada são insubstituíveis. A digitalização das relações pode facilitar a comunicação, mas jamais poderá replicar a profundidade do encontro real. A questão que fica é: estamos realmente escolhendo essa solidão ou apenas nos conformando ao que nos foi imposto?
Comentários
Postar um comentário