A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

Eric Hobsbawm, renomado historiador britânico, destacava que a história não é um simples registro de fatos, mas uma construção social. Os vencedores, seja em guerras ou disputas políticas, impõem suas versões dos acontecimentos, enquanto as vozes dos derrotados são silenciadas ou distorcidas. A colonização europeia das Américas, por exemplo, por muito tempo foi contada sob a ótica dos conquistadores: aventureiros destemidos que “descobriram” terras novas. A perspectiva dos povos indígenas, que viram suas civilizações devastadas, só começou a ganhar espaço recentemente. Isso mostra que o domínio da narrativa não apenas influencia a visão do passado, mas também impacta as políticas do presente e do futuro.
Esse fenômeno não é exclusivo da história distante. No século XX, os regimes totalitários elevaram o controle da narrativa a um novo patamar. George Orwell, em 1984, descreveu um Estado onde a verdade era constantemente reescrita para servir aos interesses do Partido. Na vida real, Joseph Stalin apagava ex-aliados de fotografias oficiais, reescrevendo a história para consolidar seu poder. Adolf Hitler, através do Ministério da Propaganda de Joseph Goebbels, manipulou a opinião pública alemã para justificar a perseguição de minorias e a expansão militar nazista. A máxima de Goebbels de que “uma mentira contada mil vezes torna-se verdade” resume bem a lógica da manipulação política baseada em narrativas.
Maquiavel já alertava que a percepção da realidade pode ser mais importante do que a própria realidade. No mundo contemporâneo, essa ideia se intensificou com a ascensão da internet e das redes sociais. Se no passado a narrativa era controlada por reis, igrejas e grandes impérios, hoje são os meios de comunicação e as plataformas digitais que moldam a opinião pública. A era da pós-verdade, termo popularizado nos últimos anos, reflete esse fenômeno: as emoções e crenças pessoais frequentemente superam os fatos objetivos. O Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump nos EUA são exemplos emblemáticos desse novo cenário, onde a construção de uma versão conveniente dos acontecimentos pode ser mais eficaz do que a apresentação de provas concretas.
Esse jogo de narrativas não ocorre apenas em eleições e grandes eventos internacionais. Ele se manifesta no dia a dia da política nacional, nos debates sobre corrupção, segurança pública, direitos sociais e crises econômicas. Dependendo da ótica adotada, um protesto pode ser descrito como um ato legítimo de resistência ou como vandalismo. Uma reforma pode ser retratada como um avanço necessário ou como um ataque a direitos adquiridos. O mesmo fato pode assumir significados opostos, dependendo de quem o conta e de quem tem o poder de amplificá-lo.
Nesse contexto, o desafio daqueles que buscam equilibrar o jogo do poder passa por dominar não apenas os fatos, mas também a forma como eles são contados e interpretados. O leão, símbolo daqueles que historicamente tiveram sua voz silenciada, precisa aprender a escrever sua própria história. Caso contrário, o caçador continuará sendo exaltado como herói, e a verdade seguirá sendo apenas uma questão de quem tem o poder para contá-la.
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