A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

Ao longo da história, regimes opressivos raramente nasceram em meio ao clamor bélico. Mesmo Hitler ascendeu pelo voto e pelo silêncio de uma república fatigada. Mussolini foi recebido com aplausos por uma burguesia que preferia ordem à liberdade. No Brasil, o AI-5 não foi precedido por explosões, mas por editoriais coniventes e reuniões silenciosas. A tirania não grita, ela sussurra — e conta com a surdez voluntária dos que poderiam contestá-la.
O mecanismo é simples e perverso: primeiro, desacreditam-se os que ousam falar. Depois, marginaliza-se a palavra crítica. E enfim, instala-se o império do medo, onde o silêncio é sinônimo de sobrevivência. Os canhões, se aparecem, são epílogo — não prólogo. A guerra, quando explode, já foi decidida nas salas em que os valentes calaram e os prudentes se omitiram.
O poder tirânico não sobrevive apenas da força; ele depende de um ecossistema de cumplicidades. O juiz que interpreta a lei com medo. O parlamentar que silencia para manter sua cadeira. O jornalista que modera sua pena. O professor que evita temas “delicados”. Cada silêncio é um tijolo a mais na construção do autoritarismo. E como bem apontou Hannah Arendt, a banalidade do mal reside justamente nessa rotina de omissões.
A lição é clara para qualquer liderança estratégica: o silêncio diante da injustiça não é neutralidade, é aliança com o opressor. O líder que se cala quando deveria se posicionar abdica de sua missão e transfere sua autoridade ao medo. A coragem política não é gritar slogans inflamados, mas sustentar a palavra quando ela é perigosa. Falar quando todos se calam é o primeiro ato de resistência real.
Instituições que se pretendem republicanas devem entender que sua força reside na voz — e não apenas na norma. A Constituição só protege enquanto houver quem a defenda em voz alta. O Estado de Direito não se sustenta em papéis, mas em homens e mulheres dispostos a falar, mesmo sob risco. A democracia morre aos poucos, sufocada por silêncios acumulados.
E aqui deixo o alerta final, digno dos que compreendem a arte da política como luta pelo essencial: o verdadeiro termômetro de um regime não é a presença da violência, mas a ausência da crítica. Quando os salões do poder se tornam silenciosos, quando os corredores das universidades ecoam o medo, quando os púlpitos, as tribunas e as redações se tornam templos do conformismo, a tirania já está instalada. Sem canhões. Apenas com silêncios. E os que se calaram serão lembrados não como prudentes, mas como cúmplices.
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