A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

A história do poder é marcada por regimes que não precisaram de golpes ostensivos para sufocar a democracia. O nazismo ascendeu com eleições, o autoritarismo húngaro se consolidou por emendas legais, e diversas ditaduras latino-americanas contaram com o apoio ou a omissão de elites midiáticas. O inimigo da democracia não é apenas o general armado, mas o editorial que se omite, o jornalista que se cala, o veículo que se vende. A imprensa livre é a primeira trincheira da liberdade; quando ela se rende, todo o sistema político se desestrutura como um corpo cujo coração foi silenciado.
O poder — como nos ensinaram Maquiavel e Weber — não é apenas o uso da força, mas sobretudo a capacidade de moldar narrativas, legitimar discursos e construir realidades simbólicas. Quando os formadores de opinião abandonam sua função crítica, deixam de ser cães de guarda da República e tornam-se cães adestrados do regime. O editorial calado é o prenúncio do autoritarismo que se mascara de legalidade. O silêncio editorial não é neutro: é um posicionamento político a favor do status quo, ainda que este esteja corrompido, apodrecido ou em franca regressão democrática.
O caso da Venezuela, onde grande parte da mídia foi cooptada ou silenciada antes mesmo da derrocada final das instituições, é exemplar. Também no Brasil, em diferentes momentos da história, o silêncio da grande imprensa precedeu a repressão. A autocensura, o medo da retaliação econômica, os acordos subterrâneos entre imprensa e poder corroem lentamente a opinião pública, tornando-a apática e vulnerável à manipulação. Quando os editoriais se calam, o povo já não sabe em quem confiar — e então aceita o líder que fala mais alto, ainda que ele grite inverdades.
A lição para líderes e cidadãos é inequívoca: o poder deve temer o jornalismo, e não o contrário. A governança saudável requer confronto, crítica, exposição constante. Um governante que não é criticado é um governante perigoso. Um veículo de imprensa que não incomoda, é irrelevante ou cúmplice. A democracia é sustentada menos por votos e mais por vozes — e quando estas se calam, o povo vota às cegas, ou pior, vota no seu próprio opressor.
Um aviso aos estrategistas, políticos e dirigentes: nunca subestime o silêncio da imprensa — ele pode ser o prenúncio da noite mais longa. E aos que ocupam a caneta editorial, um lembrete brutal: cada linha que vocês deixam de escrever é uma linha que o autoritarismo preencherá com censura, medo e obediência. Em democracias verdadeiras, a imprensa é espada e escudo. Quando ela se cala, o inimigo já entrou no castelo.
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