A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

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Desde os tempos mais remotos, a política tem se erguido como o campo privilegiado da disputa pelo comando das consciências, mais do que pela mera condução dos corpos. O enunciado — "A política se tornou a arte de impedir que as massas se apercebam da opressão que sofrem" — sintetiza com precisão a mutação sofisticada do poder: de brutal e ostensivo, como nas tiranias clássicas, para dissimulado e consensual, como nas democracias de fachada e nos regimes tecnocráticos contemporâneos. O poder, que outrora se exercia com a espada e o açoite, hoje se perpetua através da manipulação simbólica, da produção de narrativas e do controle sutil dos desejos e percepções. O século XX foi o grande laboratório dessa transformação. A escola de Frankfurt, sobretudo com Herbert Marcuse e a sua "sociedade unidimensional", já denunciava o surgimento de uma ordem política onde a opressão não mais se sustentava na coerção explícita, mas na fabricação de uma cultura que anestesia e neutra...

O silêncio que mata: a agonia das democracias sem voz


Em tempos de convulsão política, é comum associarmos o fim das democracias ao estrondo dos tanques nas ruas, ao som metálico dos coturnos que esmagam liberdades sob a justificativa da ordem. No entanto, a erosão mais sutil — e portanto mais perigosa — do regime democrático não se dá no campo de batalha, mas nas redações emudecidas, nos jornais que trocam denúncia por complacência, nos editoriais que, por covardia ou conivência, deixam de falar quando o clamor é necessário. A frase “Democracias não morrem com tanques, mas com editoriais calados” revela essa verdade insidiosa: o autoritarismo não chega anunciando guerra; ele se infiltra no silêncio.

A história do poder é marcada por regimes que não precisaram de golpes ostensivos para sufocar a democracia. O nazismo ascendeu com eleições, o autoritarismo húngaro se consolidou por emendas legais, e diversas ditaduras latino-americanas contaram com o apoio ou a omissão de elites midiáticas. O inimigo da democracia não é apenas o general armado, mas o editorial que se omite, o jornalista que se cala, o veículo que se vende. A imprensa livre é a primeira trincheira da liberdade; quando ela se rende, todo o sistema político se desestrutura como um corpo cujo coração foi silenciado.

O poder — como nos ensinaram Maquiavel e Weber — não é apenas o uso da força, mas sobretudo a capacidade de moldar narrativas, legitimar discursos e construir realidades simbólicas. Quando os formadores de opinião abandonam sua função crítica, deixam de ser cães de guarda da República e tornam-se cães adestrados do regime. O editorial calado é o prenúncio do autoritarismo que se mascara de legalidade. O silêncio editorial não é neutro: é um posicionamento político a favor do status quo, ainda que este esteja corrompido, apodrecido ou em franca regressão democrática.

O caso da Venezuela, onde grande parte da mídia foi cooptada ou silenciada antes mesmo da derrocada final das instituições, é exemplar. Também no Brasil, em diferentes momentos da história, o silêncio da grande imprensa precedeu a repressão. A autocensura, o medo da retaliação econômica, os acordos subterrâneos entre imprensa e poder corroem lentamente a opinião pública, tornando-a apática e vulnerável à manipulação. Quando os editoriais se calam, o povo já não sabe em quem confiar — e então aceita o líder que fala mais alto, ainda que ele grite inverdades.

A lição para líderes e cidadãos é inequívoca: o poder deve temer o jornalismo, e não o contrário. A governança saudável requer confronto, crítica, exposição constante. Um governante que não é criticado é um governante perigoso. Um veículo de imprensa que não incomoda, é irrelevante ou cúmplice. A democracia é sustentada menos por votos e mais por vozes — e quando estas se calam, o povo vota às cegas, ou pior, vota no seu próprio opressor.

Concluo com um aviso aos estrategistas, políticos e dirigentes: nunca subestime o silêncio da imprensa — ele pode ser o prenúncio da noite mais longa. E aos que ocupam a caneta editorial, um lembrete brutal: cada linha que vocês deixam de escrever é uma linha que o autoritarismo preencherá com censura, medo e obediência. Em democracias verdadeiras, a imprensa é espada e escudo. Quando ela se cala, o inimigo já entrou no castelo.

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