A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão
Desde os tempos mais remotos, a política tem se erguido como o campo privilegiado da disputa pelo comando das consciências, mais do que pela mera condução dos corpos. O enunciado — "A política se tornou a arte de impedir que as massas se apercebam da opressão que sofrem" — sintetiza com precisão a mutação sofisticada do poder: de brutal e ostensivo, como nas tiranias clássicas, para dissimulado e consensual, como nas democracias de fachada e nos regimes tecnocráticos contemporâneos. O poder, que outrora se exercia com a espada e o açoite, hoje se perpetua através da manipulação simbólica, da produção de narrativas e do controle sutil dos desejos e percepções.
O século XX foi o grande laboratório dessa transformação. A escola de Frankfurt, sobretudo com Herbert Marcuse e a sua "sociedade unidimensional", já denunciava o surgimento de uma ordem política onde a opressão não mais se sustentava na coerção explícita, mas na fabricação de uma cultura que anestesia e neutraliza qualquer potencial de revolta. As massas, transformadas em consumidores vorazes, são entretidas, distraídas e ocupadas por um fluxo incessante de imagens, bens e promessas de ascensão, que ocultam a precariedade real de sua existência. A política moderna, assim, aperfeiçoou o mecanismo que a filosofia de Nietzsche apontava como central: a domesticação do homem através da criação de valores ilusórios.
Esse novo paradigma do poder não elimina a opressão; antes, a torna invisível. A miséria social, a desigualdade econômica e a precarização das condições de vida são neutralizadas no discurso oficial, que as transforma em problemas técnicos, transitórios ou individuais, jamais estruturais. O político, nesse cenário, converte-se em gestor de aparências, um ilusionista cuja principal função não é governar, mas manter a ilusão de que a sociedade é livre e justa.
O exemplo histórico mais emblemático dessa engenharia social foi descrito por George Orwell em "1984", onde o Estado totalitário não precisava mais apenas reprimir: bastava controlar o vocabulário, a informação e a memória histórica para impedir que as massas sequer concebessem a ideia de opressão. De modo menos distópico, mas igualmente eficaz, as democracias liberais desenvolveram a indústria cultural e a mídia de massa como instrumentos para moldar preferências e estabilizar a ordem. O poder, agora, penetra a subjetividade, domesticando não apenas o comportamento, mas o próprio imaginário.
A lição estratégica que emerge dessa análise é clara: o líder que deseja compreender ou exercer poder deve saber que o verdadeiro domínio não está na força física, mas na condução das percepções coletivas. O governante hábil não precisa calar a dissidência com prisões; basta-lhe esvaziar sua credibilidade e torná-la irrelevante. Do mesmo modo, aquele que aspira resistir à opressão deve, antes de tudo, cultivar uma consciência crítica que vá além das aparências, buscando desnudar os mecanismos que mantêm as massas adormecidas e resignadas.
Por isso, líderes e estrategistas que buscam consolidar ou contestar o poder precisam dominar não apenas as técnicas de administração e comando, mas, sobretudo, a arte da narrativa e da simbólica. Quem controla a linguagem, controla a realidade percebida; quem comanda a percepção, governa os corpos sem necessidade de violência aberta.
Eis, portanto, a advertência final: não se iluda com a ausência de grilhões visíveis; a opressão mais duradoura é aquela que se converteu em paisagem, que se tornou normalidade aceita sem questionamento. A política, como arte de dissimular a opressão, seguirá triunfando enquanto houver massas que confundem entretenimento com liberdade e consumo com emancipação. Ao líder atento resta a missão, seja para perpetuar, seja para subverter esse estado de coisas, de reconhecer que o campo primordial da luta pelo poder é o da consciência coletiva. Quem desperta as massas, cria revoluções; quem as adormece, reina eternamente.
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