A ascensão da queda: a tragédia silenciosa de um povo iludido

A frase de Dale Dauten — “A burocracia dá à luz a si mesma e depois espera benefícios de maternidade” — é um retrato mordaz e preciso de uma das estruturas mais resistentes e paradoxais do poder: a burocracia. Tal qual um Leviatã moderno, ela não apenas se perpetua, mas reivindica méritos por sua própria existência, transformando ineficiência em virtude, e paralisia em rotina institucional.
Na história da governança, a burocracia surgiu como um antídoto contra o arbítrio — uma tentativa de impessoalidade e racionalização da administração. Max Weber, seu principal teórico, via nela o ápice da racionalidade ocidental, um aparato técnico que deveria servir ao Estado e à sociedade com previsibilidade e competência. No entanto, o que era para ser uma ferramenta de ordenação transformou-se, com o tempo, num organismo autônomo, autocentrado e autorreferente. A máquina passou a existir não para cumprir uma finalidade, mas para justificar sua própria continuidade.
Essa autogênese burocrática é o coração da crítica de Dauten. A estrutura cria comissões para validar comitês, que por sua vez sugerem subgrupos de trabalho. Cada célula gera outra, não para resolver, mas para manter-se viva. E, ao fazê-lo, exige reconhecimento — salários, estabilidade, regalias, prestígio — como se fosse uma entidade materna que merece louvor por sua “fecundidade”, embora não produza nada além de mais si mesma. Trata-se de um narcisismo institucional, onde o fim último é a perpetuação do meio.
Exemplos históricos não faltam. Na União Soviética, os planos quinquenais demandavam aparato técnico gigantesco para mensurar a produtividade, o que gerava novas camadas de supervisão, fiscalização e controle — cada uma criando problemas que justificavam mais departamentos. No Brasil contemporâneo, a criação desenfreada de autarquias e cargos comissionados alimenta uma teia de interesses e favores que se retroalimenta. O funcionalismo, por vezes, torna-se uma casta, defendendo privilégios em nome de um serviço público que já não serve ao público, mas a si mesmo.
O mecanismo de poder por trás disso é sutil e perverso: ele se esconde sob a capa da legalidade e da técnica. Ao contrário do tirano, o burocrata não precisa de aplausos nem de votos. Basta-lhe o carimbo, a norma, o parecer. Sua força está na inércia, no processo, no protocolo. Seu controle é silencioso, mas total: define quem pode, quando pode, como pode. E se o cidadão se rebela, encontra portas giratórias e formulários infinitos — a vingança do poder difuso.
A lição para líderes e estrategistas é clara: toda estrutura institucional tende à entropia e à autoconservação. O verdadeiro estadista precisa ter coragem de desmantelar o desnecessário, de cortar na própria carne do sistema, mesmo à custa de popularidade ou conveniência. Liderar é simplificar. Governar é podar. E reformar é, muitas vezes, destruir para reconstruir. Não se trata de abolir a burocracia — isso seria utópico — mas de impedi-la de se tornar o centro do universo político.
Por fim, fica o aviso solene: aquele que permite que a burocracia se torne fim em si mesma está alimentando um monstro que, em breve, exigirá sacrifícios e ainda exigirá ser homenageado por isso. O poder deve ser ágil, eficiente e orientado à finalidade pública. Caso contrário, torna-se um culto à forma, um ritual vazio onde o poder não é exercido — é apenas protocolado.
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