A arte de ocultar correntes: como a política aperfeiçoou o disfarce da opressão

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Desde os tempos mais remotos, a política tem se erguido como o campo privilegiado da disputa pelo comando das consciências, mais do que pela mera condução dos corpos. O enunciado — "A política se tornou a arte de impedir que as massas se apercebam da opressão que sofrem" — sintetiza com precisão a mutação sofisticada do poder: de brutal e ostensivo, como nas tiranias clássicas, para dissimulado e consensual, como nas democracias de fachada e nos regimes tecnocráticos contemporâneos. O poder, que outrora se exercia com a espada e o açoite, hoje se perpetua através da manipulação simbólica, da produção de narrativas e do controle sutil dos desejos e percepções. O século XX foi o grande laboratório dessa transformação. A escola de Frankfurt, sobretudo com Herbert Marcuse e a sua "sociedade unidimensional", já denunciava o surgimento de uma ordem política onde a opressão não mais se sustentava na coerção explícita, mas na fabricação de uma cultura que anestesia e neutra...

Thomas Paine e a rebeldia contra a tirania: quando a alma não se vende


A frase de Thomas Paine – “Que me chamem de rebelde, bem-vindos, isso não me preocupa; mas eu sofreria a miséria dos demônios se tivesse de prostituir minha alma” – encapsula a essência de sua trajetória política e intelectual. Mais do que um escritor ou panfletário, Paine foi um revolucionário em espírito e ação, alguém que se recusou a submeter sua consciência às conveniências do poder. Sua vida e obra são testemunhos de que a liberdade raramente é conquistada sem confronto, e que a submissão, ainda que confortável, tem um preço que almas inquietas não estão dispostas a pagar.

Thomas Paine nasceu em 1737, na Inglaterra, mas foi nos Estados Unidos e na França que suas ideias floresceram e influenciaram revoluções. Seu panfleto Common Sense (1776) foi um dos textos mais impactantes na luta pela independência americana, desafiando a monarquia britânica e defendendo um governo baseado na soberania popular. Posteriormente, com Direitos do Homem (1791), atacou a aristocracia europeia e defendeu a Revolução Francesa, o que lhe rendeu perseguições e o exílio.

A frase destacada reflete a coragem intelectual de Paine, alguém que não se curvou às pressões do Estado ou da opinião pública. O “rebelde” que ele aceita ser chamado é aquele que não teme a dissidência, que prefere a integridade ao conformismo. O preço da traição à própria consciência, na visão de Paine, é alto: a “miséria dos demônios” é uma metáfora para a condenação moral que recai sobre aqueles que vendem seus princípios em troca de favores ou segurança.

Seu pensamento dialoga diretamente com teóricos como Jean-Jacques Rousseau, para quem a liberdade era um valor inegociável, e John Locke, defensor da resistência contra governos opressores. Mais tarde, figuras como Hannah Arendt ecoariam essa postura, argumentando que a banalização do mal ocorre quando indivíduos abdicam de sua responsabilidade moral diante da autoridade.

O dilema que Paine aponta continua atual. Em tempos de populismo, autoritarismo e crises institucionais, muitos preferem a acomodação ao embate. O medo do ostracismo político ou das represálias faz com que indivíduos e até nações “prostituam suas almas”, abandonando princípios em troca de poder ou estabilidade. Paine nos lembra que, embora a rebeldia tenha seu preço, a submissão também tem – e pode ser ainda mais cruel para aqueles que se preocupam com a justiça e a verdade.

Se hoje sua obra segue inspirando movimentos democráticos e libertários, é porque a essência de sua mensagem permanece relevante: a liberdade exige coragem, e a consciência não deve estar à venda. Como Paine demonstrou, é melhor ser um rebelde honrado do que um conformista atormentado.

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