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Mostrando postagens de março, 2025

O crepúsculo da política: quando o poder se torna autônomo

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A frase “O poder está cada vez mais separado da política, e a política está cada vez mais impotente diante do poder” é o diagnóstico lúcido de uma era marcada pelo divórcio entre as instituições políticas tradicionais e os verdadeiros centros de comando que moldam o destino das sociedades. A política, entendida como a arena pública onde se debatem e decidem os rumos coletivos, perde protagonismo para formas de poder cada vez mais difusas, invisíveis e tecnocráticas, que operam à margem do escrutínio democrático. Historicamente, o poder sempre buscou vestir a roupagem da política para se legitimar. De Alexandre, o Grande a Luís XIV, passando por Napoleão Bonaparte, o exercício do poder requeria um teatro político: conselhos, parlamentos, assembleias ou plebiscitos que, mesmo manipulados, serviam para emprestar legitimidade às decisões. O poder, portanto, era inseparável da política como forma de mediação entre governantes e governados. Entretanto, o desenvolvimento das corporações multi...

O fim sem testemunhas: velhice, fama e solidão

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A história de Gene Hackman levanta uma questão que vai além da sua morte biológica: quando realmente morremos? Quando o coração para ou quando o mundo para de nos notar? A fama, que um dia iluminou sua trajetória, revelou-se ilusória diante da passagem do tempo. A solidão, essa sombra que se alonga conforme envelhecemos, foi sua última e talvez mais cruel companheira. O Esquecimento como Morte Antecipada Shakespeare, em As You Like It, descreveu a velhice como uma "segunda infância", um retorno à dependência e ao esquecimento. Mas há um detalhe ainda mais sombrio: enquanto na infância há expectativa de crescimento, na velhice há apenas a espera do desfecho. Nietzsche dizia que “quem tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como”. Mas o que acontece quando esse "porquê" se dissolve? A solidão de Gene Hackman sugere que a morte não é apenas um evento biológico, mas um processo social e emocional. Ele foi morrendo aos poucos, à medida que o mundo o deixava...

O homem puro contra o mundo corrompido: quem realmente sai vencedor?

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A história política e filosófica está repleta de figuras que tentaram desafiar um sistema corrupto apenas para serem esmagadas por ele. A ideia de um "homem puro" enfrentando um "mundo corrompido" parece saída de uma tragédia clássica, onde o destino já está selado desde o começo. Mas será que a pureza moral pode sobreviver em um ambiente onde o jogo do poder é implacável? Ou será que a corrupção não é apenas uma falha do sistema, mas sua própria engrenagem? Platão, em "A República", descreve o mito da caverna para ilustrar como a verdade e a justiça são incompreendidas por aqueles que vivem na escuridão da ignorância. Mas o que acontece com aquele que sai da caverna e tenta iluminar os outros? Em muitos casos, ele é perseguido, desacreditado ou até eliminado. Sócrates, por exemplo, foi condenado à morte por Atenas justamente porque desafiava o pensamento dominante. A cidade não mudou – ele foi silenciado. Ao longo da história, líderes políticos e revoluci...

Ser natural é a mais difícil das poses: a arte da autenticidade na política

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Na política, poucos elogios são tão valiosos quanto ser considerado "autêntico". O eleitor tende a desconfiar de discursos excessivamente ensaiados e gestos artificiais, preferindo líderes que pareçam falar "do coração". No entanto, como dizia Oscar Wilde, "ser natural é a mais difícil das poses"—e na política, essa verdade se torna ainda mais evidente. A autenticidade, muitas vezes, não passa de uma performance bem-calculada. A história está repleta de políticos que dominaram essa arte. Franklin D. Roosevelt, por exemplo, transmitia a imagem de um líder acessível e seguro, conversando diretamente com os americanos por meio de seus famosos "Fireside Chats" no rádio. Sua fala tranquila e pessoal fazia parecer que ele estava apenas tendo uma conversa informal com cada cidadão, mas tudo era cuidadosamente roteirizado para criar essa impressão. No Brasil, um dos maiores exemplos dessa estratégia é Luiz Inácio Lula da Silva. Seu jeito coloquial, seu v...

O mundo só perdoa aqueles que o deixam confortável em sua própria podridão

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A história é implacável com aqueles que desafiam o status quo. Rebeldes, revolucionários e pensadores que ousaram expor a hipocrisia do poder foram, na maioria das vezes, marginalizados, perseguidos ou eliminados. O mundo não perdoa quem o força a encarar sua própria podridão; ao contrário, perdoa apenas aqueles que o deixam confortável nela. A sociedade recompensa a conveniência, não a verdade. Maquiavel, em O Príncipe, já alertava que um governante que busca ser moralmente correto em um mundo corrupto acabará destruído. O poder não se sustenta na bondade, mas na manutenção da ordem e no controle da narrativa. Aqueles que tentam mudar essa narrativa, expondo contradições e injustiças, são frequentemente descartados como ameaças. Foi o caso de Sócrates, condenado à morte por desafiar a moralidade ateniense, e de Martin Luther King Jr., assassinado por confrontar a estrutura racista dos Estados Unidos. Ambos não foram perdoados porque exigiam mudança – e mudança causa desconforto. Por o...

Quem controla a narrativa, controla o poder

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Na política, a verdade raramente é um ponto fixo. Nem todo fato se transforma em narrativa, e nem toda narrativa se baseia em fatos. O que define a percepção pública sobre um evento não é necessariamente sua realidade objetiva, mas sim a forma como ele é contado, repetido e assimilado. Como diz o provérbio africano: "Enquanto o leão não aprender a escrever, a história do caçador será sempre exaltada." A história sempre foi moldada por aqueles que detêm o poder, e a política moderna não foge a essa regra. Quem controla a narrativa, controla a memória, a identidade e até mesmo o destino de nações. Eric Hobsbawm, renomado historiador britânico, destacava que a história não é um simples registro de fatos, mas uma construção social. Os vencedores, seja em guerras ou disputas políticas, impõem suas versões dos acontecimentos, enquanto as vozes dos derrotados são silenciadas ou distorcidas. A colonização europeia das Américas, por exemplo, por muito tempo foi contada sob a ótica dos...

Thomas Paine e a rebeldia contra a tirania: quando a alma não se vende

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A frase de Thomas Paine – “Que me chamem de rebelde, bem-vindos, isso não me preocupa; mas eu sofreria a miséria dos demônios se tivesse de prostituir minha alma” – encapsula a essência de sua trajetória política e intelectual. Mais do que um escritor ou panfletário, Paine foi um revolucionário em espírito e ação, alguém que se recusou a submeter sua consciência às conveniências do poder. Sua vida e obra são testemunhos de que a liberdade raramente é conquistada sem confronto, e que a submissão, ainda que confortável, tem um preço que almas inquietas não estão dispostas a pagar. Thomas Paine nasceu em 1737, na Inglaterra, mas foi nos Estados Unidos e na França que suas ideias floresceram e influenciaram revoluções. Seu panfleto Common Sense (1776) foi um dos textos mais impactantes na luta pela independência americana, desafiando a monarquia britânica e defendendo um governo baseado na soberania popular. Posteriormente, com Direitos do Homem (1791), atacou a aristocracia europeia e def...

Quando fazer o certo significa enfrentar a maioria: o dilema entre convicção e poder

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Se tivéssemos o poder de realizar o que nos parece certo, ainda que contra a vontade da maioria, faríamos isso? A resposta a essa pergunta é mais do que uma escolha teórica; é um dilema essencial da condição humana. Entre a convicção pessoal e o respeito à coletividade, entre a virtude e a tirania, entre o altruísmo e o egoísmo, está o conflito fundamental que molda a história da humanidade. A virtude, em sua essência, é um ideal que guia o indivíduo para além dos interesses próprios, buscando um bem maior. No entanto, o que é a virtude senão a interpretação de princípios que julgamos corretos? O filósofo grego Aristóteles dizia que a virtude está no equilíbrio, na justa medida entre excessos e carências. Mas quando temos a certeza de que algo é certo, devemos hesitar por respeito à maioria? Grandes reformadores da história – de Sócrates a Gandhi, de Cristo a Mandela – desafiaram a opinião pública e as instituições, defendendo o que acreditavam ser correto, muitas vezes contra a maiori...

O tesouro nacional e os nobres ministros

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Era uma vez, no topo de uma colina de mármore e vidro, um grandioso palácio onde residiam os Sábios da Suprema Cúpula, conhecidos pelo povo como "os Iluminados". Sua missão era nobre: zelar pela democracia e, claro, pelo próprio conforto. Certo dia, em uma de suas augustas assembleias, um dos ministros, recostado em sua poltrona de couro legítimo, soltou um longo suspiro filosófico: — Irmãos, que tempos difíceis! Os almoços oficiais já não são os mesmos, a gasolina do carro oficial subiu e, francamente, um salário de seis dígitos já não estica como antes. Os outros assentiram gravemente, balançando suas cabeças cobertas por perucas imaginárias da nobreza moderna. Foi quando o mais velho entre eles, o Decano, ergueu a mão com a solenidade de quem vai invocar uma verdade absoluta: — Então que se faça justiça... Aumentemos nossos vencimentos em 16%! Um leve murmúrio de preocupação percorreu a sala. O Ministro do Equilíbrio Fiscal, conhecido por sua habilidade de transformar gast...

O Banquete dos poderosos

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Era uma vez, num reino chamado Politicópolis, onde os líderes mais excêntricos e controversos se reuniam para um grande banquete anual, uma espécie de feira onde exibiam suas "virtudes" e trocavam farpas. Entre os convidados mais aguardados estavam dois titãs do palco político: Albério Grandforte, o magnata extravagante, e Gregório Camponês, o carismático operário que sempre tinha uma metáfora no bolso. No centro do salão, Grandforte, com seu cabelo dourado que lembrava um ninho de águia, falava alto sobre suas conquistas pessoais. “Eu sou um homem que faz negócios com o próprio ouro! Minhas festas, meus prazeres e meus erros – tudo sai do meu bolso! Não vou mendigar moedas públicas para isso.” Ele girava uma taça de vinho enquanto lançava olhares de superioridade aos demais. Camponês, sentado ao outro lado da mesa, não deixaria barato. Com sua voz rouca, rebateu: “Ah, Albério, tão orgulhoso de gastar seu próprio ouro para alimentar seus caprichos! Mas no meu reino, eu compar...

A ilusão da liberdade: quando as algemas invisíveis persistem

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Muitas vezes, acreditamos que a opressão termina quando as correntes são retiradas, mas será que a verdadeira degradação humana está apenas nas algemas visíveis? "Não vejam as algemas dos deportados como uma forma de degradação humana. Retirando as algemas, a degradação continua." Essa frase nos convida a uma reflexão profunda sobre como a injustiça e a desumanização podem persistir mesmo sem marcas aparentes. A história nos mostra diversos exemplos de grupos que, mesmo libertos fisicamente, continuaram presos a condições degradantes. Pensemos nos ex-escravizados após a abolição: livres no papel, mas sem acesso à terra, educação ou direitos básicos, acabaram submetidos a novas formas de exploração. Hannah Arendt, em Origens do Totalitarismo, descreve como os apátridas e refugiados políticos, apesar de não estarem mais presos, continuavam sendo tratados como párias, privados de direitos e dignidade. A opressão, muitas vezes, não precisa de correntes de ferro, pois os grilhões ...